Por que no final da tarde dá mesmo essa vontade
de deixar pra lá. Não importa quantas xícaras de café ou taças de vinho que
vamos esvaziando quase sem perceber, a noite se aproxima tão pesada e solitária
que tenta afundar o que há de concreto em nós.
No fim da tarde estamos tão cansados que só
queremos ser acolhidos, procuramos cada lugar pequeno, apertado e escuro onde possamos
nos esconder dessa imersão não consentida. Queremos tropeçar e cair, torcendo para
que a queda machuque, porque assim poderemos chorar uma dor física e no meio de
toda lamentação colocaremos também toda a frustração invisível.
Às vezes, quando o sol vai se pondo, revelamos a
parte mais sensível e delicada que possuímos. Somos fracos, cansamos de ser
forte. Os discursos outrora escutados com desdém agora nos atravessam como
fecha inflamada bem no meio das nossas certezas de concreto. É efeito dominó,
colocamos tudo em cheque. Será que vale a pena? Será que vale mesmo a pena?
Por isso mesmo queremos nos esconder, estamos expostos.
Estamos indefesos, assustados e sem rumo. Tudo é motivo de dúvida, de se pensar
umas duas vezes ou até mais. Não queremos fazer investimento sem fundo,
queremos ser fortes. Contudo, estamos cansados de sermos super-heróis. E no
fundo não é do mundo que estamos com medo, mas das nossas escolhas, daquilo que
não escolhemos e daquilo que queremos.
O engraçado é que no fim do dia acabamos
pensando, o mundo é mesmo um sujeitinho egoísta que não se importa com as
feridas e confusões da alma humana... Mas, só estamos cansados de ser tão mecânico
e impessoal. Não dá pra ser filtro o tempo todo, estamos tão cansados de
selecionar o que nos atravessa ou não, mas ser esponja também é assustador.
E é assim que amanhecemos em uma noite afundada
em escuridão: cansados, assustados, com as certezas a despencar ladeira abaixo,
com uma garrafa de café ou vinho vazia, com a alma inundada em tanta incerteza.
Só não sabemos que no fim da noite poucas coisas
terão sobrevivido ao fim de tarde. As certezas de concreto vão mesmo se esvair,
é natural. Contudo, as "certezas por um fio" permaneceram intactas, elas podem ser
imersas as mais profundas tempestades e avaliações, sempre, e sempre, irão
emergir ainda mais fortes e invisíveis.
E o caminho de casa... Podemos mudar as certezas
de lugar, podemos mudar as incertezas de lugar, podemos mudar a casa de lugar,
mas jamais esqueceremos o caminho de casa. Jamais nos esqueceremos de quem nos
deu abrigo no fim do dia.