quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Insônia





Pela madrugada o sono me fugiu, virei de um lado, virei de novo, e nada do sono. Os pensamentos me bombardearam com perguntas, com interrogações, com questões que eu não saberia responder. Perdi a calma. Afinal, nada me assusta mais do que a sensação de que o mundo está descansando e eu estou afogada em minhas indagações. Se eu ei de ficar acordada a noite inteira, que seja fazendo algo que me reconforte tanto quanto um abraço.
Eu irei escrever. Novamente meu psíquico é invadido pelas interrogações. Eu irei escrever um conto? Ou será uma crônica? Talvez eu conte a história de duas crianças que se conheceram por acaso? Ou será aquela que fala de um grande amor? Nenhuma me parece interessante o suficiente. Foi quando decidi que iria falar das lágrimas.
Eu necessito falar das lágrimas.
As lágrimas são diversas, embora a composição de todas elas seja igual. Todas nascem no mesmo local, percorrem o mesmo caminho e encontram o mesmo final. O que muda tudo é o efeito causador.
Qual a diferença entre as lágrimas que escorem dos olhos de uma criança, que gritando desesperadamente espera encontrar a mãe, e as lágrimas que uma mãe derrama, incontrolavelmente, ao perder o filho?
Lágrimas nunca são somente lágrimas.
Lágrimas que escorrem por que alguém sentiu medo.
Lágrimas que escorrem por que alguém sentiu saudade.
Lágrimas que escorrem por que alguém partiu.
Lágrimas que escorrem por que alguém machucou.
Lágrimas que escorrem por que alguém amou.
Lágrimas...
Por que quando todo o resto não for suficiente, ainda restarão as lágrimas.  E por que quando todo o resto, simplesmente, se encaixar e acontecer, ainda restarão às lágrimas.
Elas são o nosso sinal de fumaça quando estamos perdidos em uma ilha qualquer, mas também são a prova física da nossa felicidade plena. Sim, chorar de alegria.
Chorar por que as alianças foram trocadas...
Chorar por que o emprego é meu...
Chorar por que alguém nasceu...
Chorar por que sentiu a alma pular de alegria...
Chorar por que houve um reencontro...
Chorar por que alguém abraçou...
Chorar por que alguém amou...
As lágrimas são o nosso “mea culpa”.
 Quantas alegrias não há por traz de uma lágrima de contentamento? Quantos motivos não existem para que possa escorrer uma lágrima de solidão? Quantos julgamentos não foram feitos, injustamente, para que alguém chorasse lágrimas de isolamento?
Que diferenças existem entre elas? O que define uma lágrima como de tristeza ou de alegria?
Elas têm tanto em comum. Todas expressam o que a boca não saberia pronunciar, o que as palavras mostraram-se incapazes de proferir, o que as mãos não conseguiriam apalpar, o que nem mesmo a música conseguiu traduzir. Então, depois de tantas tentativas escorre uma lágrima.
Lágrimas de dor...
Lágrimas de alegria...
Lágrimas de silêncio...
Lágrimas de surpresa...
Lágrimas que escorrem por que alguém foi incapaz de chorar...
Lágrimas que se esvaem por que alguém mentiu...
Lágrimas de ilusão...
Lágrimas de surpresa...
Lágrimas de sorrisos...
Lágrimas de arrependimento...
Lágrimas de perdão...
Lágrimas...
Lágrimas que não escorrem...
Lágrimas que não são físicas e ainda escorrem...
Lágrimas que nunca serão lágrimas...
Lágrimas que nunca serão explicadas...
Lágrimas que nunca serão vistas...
Lágrimas que só escorrem...
Lágrimas...
Não importa o motivo, ou a classe da lágrima, tudo o que mais se deseja é que tenha alguém para colhê-las, alguém que as faça secar.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Eu + Você = Embaraços?


Que coisa complicada... Há alguns dias eu nem sei como ele vai.
Complicado não saber o que somos de verdade, ou o que poderíamos ser.
Eu adoraria perguntar como ele tem andado, não posso. Eu nem sei se eu poderia perguntar. Eu nem, ao menos, sei se você está disponível. Que baita confusão.
Eu tenho andado em uma corda bamba, tenho me equilibrado ao que você deixa transparecer, mas você não me oferece muito. Talvez, você nem saiba do que eu estou falando.
Ainda não decidi em qual parte de mim você será agregado. Diga-me, seremos amigos? Ou você quer arriscar?
Eu ainda posso decidir, estou longe de você o suficiente para sermos amigos e perto o bastante para querer arriscar. Só diga-me, eu odiaria deixar a oportunidade passar.
Quando você me diz algo que faz meu mundo girar, meu estômago se contrair, minha mente se confundir, eu recuo, pois não sei se é de verdade. Eu não sei se devo continuar a andar na sua corda bamba. No entanto, ver você me tratando como se fosse só mais uma dessas pessoas que conhecemos todos os dias, ou te ver correspondendo alguém, isso me deixa angustiada. Que baita confusão.
Não pense que eu estou perdidamente apaixonada, porque eu não estou. Só saiba que se você quiser arriscar eu adoraria me apaixonar. Mas, se você não estiver afim, seremos grandes amigos.
Na verdade, algo dentro de mim diz que isso nunca daria certo. Essa voz não é forte o bastante para me deter, isso só depende de você.
Eu poderia ligar, eu poderia somente perguntar como você tem andado, mas eu não sei se deveria. Eu também poderia perguntar-lhe o que você acha disso tudo, mas essa não seria eu.
Contudo, não me julgue imatura, eu conheço mais da vida do que você pensa. Eu já andei em cacos de vidro o suficiente para saber que eles cortam. Então, não ache que eu não sei andar na corda bamba por que essa não é a questão, a pergunta é se eu devo me arriscar.

"O ruim das cartas é que elas não refletem os olhos. As pupilas, elas nunca mentem. "


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Insondável



Nada machuca mais um poeta  do que,
a certeza de que sua poesia
não alivia mais a sua dor.

 Como um anestésico que,
 depois de repetidas doses não surte nenhum efeito.
 As palavras se esvaem, se enrolam e se confundem,
 incapacitadas de traduzir o seu sofrimento.

Só nos resta uma pequena lágrima que,
surge na ferida da alma
e escorre pela face pálida e entristecida.
Carrega consigo um turbilhão de pensamentos e conclusões,
e toca o chão com a mesma intensidade que
a de uma alma jogada de um penhasco.

Ironias


"Recuperei minha audição e acabei por esquecer-me de avisar.
O que aconteceu?
Agora eu ouço o veneno dos bons e dos soberbos.
Se irei morrer?
Dificilmente.
Provei doses suficientes para saber quais delas me dá vontade de vomitar. "
D. Andrade

domingo, 13 de janeiro de 2013

Esse Tal de Amor...



Não diria que já amei de verdade, diria que eu já amei.
Ainda assim, arrisco-me a falar desse tal de amor verdadeiro. Esse amor que os grandes poetas eternizaram em suas psicodélicas poesias, esse amor que Vinícius de Moraes disse não haver coisa melhor do que um amor correspondido, esse amor que Caetano cantou dizendo “Eu te amo”, esse amor que volta e meia é falado, comentado, cantado, interpretado, entendido, correspondido, abandonado, redimido e alforriado.
 Arriscaria ainda a dizer que, grande parte desses que se dizem amantes, e verdadeiramente são amantes, modernos, nunca sequer sentiram um respingo desse tal amor. Eles só banalizaram, com sua ignorância incompreendida, essa palavra amor. Contudo, quem sou eu para julgar os amantes? Quem somos nós?
A maioria de nós estamos enovelados, enovelados com o que esse século acostumou-se a chamar de amor. Essa extrema dependência do outro, esse ciúme exorbitante, essa necessidade animalesca de se autodenominar dono do outro, essa vontade de escancarar as necessidades e os segredos do ser “amado”, essa fobia de se afastar um pouco, essa deficiência absurda de confundir amor com sexo e vice versa, essa carência violenta de dizer “Eu te amo”.
Querem saber? Há muita coisa entre o fascinante momento em que se apaixona e o singular momento em que o autentico amor começa a genuinamente existir. Ás vezes é só paixão, ás vezes é só o legítimo amor, às vezes é só o do meio. De sorte que: todos sobrevivem por si só, todos são perigosamente apetitosos, em conjunto são ainda mais fascinantes, e todos merecem ser pausadamente compreendidos, seja como um ou como um todo.
Mas, e esse tal de verdadeiro amor? Que troço ridiculamente complicado, hein?
Conheço gente que jura, de pés juntos, que já amou de verdade, conheço gente que se diz um impostor do amor incontestável, conheço gente que só amou, conheço gente que diz que ele é tão verídico que, quase, quase mesmo, quase chega a ser palpável, quase físico. Amor verdadeiro, amor verdadeiro. Amor verdadeiro?
Será que ele é desses que amam a eternidade? Ou será desses que são voláteis e duram segundos? Talvez ele só abomine o tempo. Abomine as medidas concretas e precisas que inutilmente tentam delimitar e condessar o imensurável.  Amor verdadeiro. Amor verdadeiro, esbarra comigo em alguma esquina?

sábado, 12 de janeiro de 2013

Emma


              De frente a árvore de natal, ainda posta, olhando as pequenas luzes coloridas piscar tão orquestradas como uma sinfonia, Emma se sentia completamente entediada e nostálgica.
Ela não sabia, ao certo, o motivo. Porém, de alguma forma todo aquele clima transcendental e carregado de expectativas confeccionava no seu espirito aquela lembrança. A exata lembrança daquele momento, não, não era daquele dia, mas daquele momento especifico.

Havia pouca luz, tinham apagado os grandes refletores do parque na tentativa de que todo o público se concentrasse exclusivamente no palco, havia uma banda local tocando, no entanto, não era importante.
Nada era mais importante.
As ruas ao redor do parque foram lotadas de barraquinhas, elas eram esporadicamente simples, vendendo pelúcias e tudo o mais que se pudesse imaginar. Emma nunca acreditou que alguma delas pudesse possuir algo que lhe interessasse. Contudo, ali estava ela, ele a havia convencido de alguma forma, e em uma das últimas barraquinhas da rua, ali estavam eles.
A lâmpada própria da barraca não era assim tão forte, mas iluminava o suficiente para que Emma conseguisse ver seu rosto, ele estava sorrindo, um sorriso jovial e apaixonado, ele não era tão bonito... Espera, ele era bonito. Ou apaixonado? Ela nunca saberá.
Enquanto ela olhava cautelosamente o seu sorriso, ele procurava algo, algo no meio de toda aquela bagunça cuidadosamente arrumada. As pessoas desfilavam de um lado para o outro, todas elas tinham se vestido como se esperassem alguém extremamente importante. Ela não conseguia ver nada ao seu redor, só á barraquinha, que de alguma forma estava envolta em uma bolha estritamente delicada e colorida.
Emma sabia que aquilo não iria durar para sempre, era estranha a forma como ele a conhecia e desconhecia profundamente, ele não fazia ideia da sua paixão feroz por romances, nem que algum dia ela iria conhecer personagens tão únicas como Liesel, Melaine Stryer, ou mesmo a irreverente Lisbeth Salander.
Ela era cheia de cicatrizes, possuía um passado conturbado, planejava cursar uma faculdade, possuía enraizado em sua alma um turbilhão de princípios, músicas que ele nunca imaginou que ela ouviria, amigos que não condiziam com o que ele conhecia. Ela era agarrada com um futuro que ela determinou que teria, por isso o  seu presente não é só o presente, era os termos principais de  uma equação cujo resultado já havia sido definido.
Ele era apenas ele. E isso era o que ela mais amava. O fato de ele conhece-la não pelo que um dia ela seria, mas o que exatamente ela era, ele sabia de que forma a sua alma havia sido esculpida. O resultado da obra de esculpir ele não sabia, contudo, conhecia a essência.
Mas isso não era para sempre, e Emma sabia. E ainda assim, se permitia viver toda a fantasia completamente real.
Outro dia, eles até conversaram sobre o futuro, filhos, casamento, trabalho... Determinaram o ano de sua eterna união, como seriam felizes.
E no meio de todo aquele transe de conclusões, ele se virou e ainda sorrindo disse:                                                                                                                 
-Achei.

Ele segurava dois cordões, em um estava pendurado um pingente da letra “E”, ele pediu para que Emma colocasse em seu pescoço, para que em todos os momentos ela estivesse com ele. No outro cordão, estava o pingente com a inicial do seu nome, ele colocou no pescoço de Emma para que em todos os momentos ele estivesse com ela.

Depois olhou nos seus olhos e disse:                                                              
-Pra sempre?
Emma sorriu e verdadeiramente disse:                                                        
-Pra sempre.

Emma quase tomou um susto quando viu os primeiros fogos serem lançados ao ar, aqueles estilhaços de cores no céu, celebrando o novo ano, trouxeram-na de volta para a realidade e para o futuro.
Futuro esse que ela já havia decidido que estaria. 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Pizza de Ideias


O sol ainda nem havia mostrado seu rosto, e lá estava ela, ávida por mais um dia, Rebbeca estava de pé há algum tempo. Tentou fazer com que suas mechas castanhas e onduladas ficassem arrumadas, ela não gostava da forma que o seu cabelo se adequava ao seu rosto, deixava-a ainda mais nova do que ela queria.
De frente ao espelho, ela olhava o reflexo daquele rosto infantil, seus olhos castanhos, que todos os dias reproduziam uma infinidade de cores e temas, pareciam ainda mais estranhos quando eram observados juntamente com o seu nariz afilado e seus lábios finos que pareciam ter sido feitos por um escultor e dificilmente executavam outro movimento que o de um pequeno sorriso, quase imperceptível.
Rebbeca tinha a pele morena, lembrava a cor de mel, era mais alta que todas as crianças da sua idade, e como se não bastasse, também era a mais magra. A razão de seu pouco peso estava longe de ser falta de apetite, na verdade, a condição de vida que lhe era imposta justificava qualquer motivo.
Ela vinha de uma família muito humilde, era a filha mais velha de um conjunto de cinco filhos, sua mãe, por mais estranho que fosse, era gorda, tinha um rosto marcado pelas dificuldades da vida e geralmente estava gritando frases soltas:
-Menino não faça isso, você vai se machucar;
-Saia do sol, você vai adoecer.
A única pessoa que ela realmente admirava era seu pai, todos os dias antes do sol nascer, lá estava aquele homem, moreno, magro, sofrido, mas com uma postura ríspida de quem vai mais uma vez vencer o mundo e trazer pra casa um pouco mais de existência. Se existiam super-heróis, seu pai deveria ser um deles.
Rebbeca desistiu de ajeitar seu cabelo, amarrou-o com um “elástico” bem no alto da cabeça, tomou um copo de leite ainda quente e prosseguiu ao lado do seu pai até a barraca, na feira, aonde eles vendiam frutas e verduras.
Qualquer outra pessoa consideraria o fato de passar o dia ali, ao lado de todas aquelas barracas de ferro e teto de lona, com o sol sobre as suas cabeças mostrando o quanto o dia podia ser quente, rodeado de feirantes gritando e anunciando seus produtos, algo extremamente tedioso. No entanto, Rebbeca amava tudo aquilo, não havia ambiente melhor do aquele, no mundo dela nada poderia ser mais interessante do que passar o dia observando o real arcabouço da espécie humana. E a feira, com todos os seus feirantes, com todos os seus clientes, com todo o publico figurante que ela possuía era uma prato cheio e transbordante pronto para ser consumido.
Rebbeca achava a vida injusta demais para com alguns, e claro, ela estava incluída nessa grande população que vivia com o mínimo, não que ela passasse fome, não, mas tudo era regrado, como eu disse: o mínimo. Tudo que ela queria era um dia poder apreciar e deliciar uma pizza enorme, cheia de rodelas de calabresa, ela tinha visto, certa vez, uma senhora comendo uma e então, ela decidiu que quando crescesse ela iria comer muitas pizzas, muitas.
No entanto, chega de conversa fiada, a barraca já está montada, frutas e legumes no lugar e lá vamos nós a mais um dia de feira.
Rebbeca sentou em um banquinho por detrás da barraca para que pudesse recepcionar os clientes de frente. Naquele dia seu primeiro cliente era um homem alto, bonito e parecia ser umas daquelas pessoas que vivem com uma renda acima da pobreza e bem abaixo a dos ricos. Ela se perguntou em que ele trabalharia, parecia simpático e um tanto animado. Pediu dois mamões, um melão, um cacho de banana e algumas outras frutas. Pagou. Sumiu.
Essa era a grande magia da feira, centenas de atores que se apresentavam em um palco improvisado por alguns minutos e que contavam pequenas partes de suas vidas.
Depois veio uma senhora, essa seu pai atendeu, ela era branca, forte, vinha acompanhada de um menino que meio emburrado se reclamava de alguma coisa. Pediu algumas frutas, outras verduras. Rebbeca sentada só observava. A mulher deixava transparecer que vivia feliz, com toda certeza ela fazia parte da minoria que nunca se perguntou o que é felicidade, mas que são extremamente felizes. Pagou. Sumiu.
Entre um cliente e outro, entre um grito e outro, Rebbeca observava.
              -Olha a banana. Banana. A senhora quer comprar banana?
-Mamão. Mamão só um e cinquenta o quilo.
E o que mais lhe intrigava era o Senhor da banca em frente, ele também vendia frutas e verduras, só que diferente de todos os outros feirantes, quando seus produtos estavam maduros demais ou perto de vencer o prazo para ser consumido, ele não dava aos mendigos e moradores de rua. Ele deixava exposto até que apodrecessem e então rebolava na rua, vinham animais de tudo quanto era lugar e faziam aquela lambança.
Seria demais distribuir os alimentos durante o entardecer? Afinal, à tarde eles ainda estavam frescos, mas ao enoitecer tinha que ser descartados.
Foi então que a grandiosa ideia surgiu na mente de Rebbeca. Todos os dias na hora do almoço aquele Senhor pedia a ela para que tomasse conta da sua barraca, ele almoçava e depois retornava. Todos os dias as coisas eram iguais, porém naquele dia ela faria algo extremamente controverso.
                                                         ...
Chegou a hora do almoço.
Rebbeca esperou que o Senhor se afastasse o suficiente e então, tomada por uma coragem repentina e inexplicável, ela começou a gritar a todos os moradores de rua, a todas as crianças que mal se alimentava:
-Venham, venham, é de graça, peguem, é tudo de graça. Levem o que quiser: maçã, banana, uva, mamão. Venham, é tudo de vocês.
Em questão de segundos fez se ao redor da barraca uma pequena multidão de crianças e adultos que mendigavam por ali. Era difícil de dizer se quem era mais feliz era o doador ou receptor. Havia também os gananciosos, claro, eles estão em toda parte.
De frente a tudo aquilo o pai de Rebbeca se perguntava se a filha havia ficado louca, ele a olhava abismado enquanto ela sorria distribuindo uma maça a um garotinho. Como ela queria dizer ao pai que não estava louca, que ela estava, somente, esgotada. Esgotada. A sua atitude precisamente impensada não tinha nada haver com politica, ou aquilo que ela ouviu na escola, Socialismo, Capitalismo, não, era somente o resultado da mais pura e sincera necessidade humana: a de ser humana.
As frutas iam sumindo de dentro da barraca em questão de segundos, pessoas corriam de todos os lados, gritavam, chamavam. Havia uns que levaram somente o necessário, outros que encheram os bolsos, e ainda outros que não conseguiram alcançar alguma coisa.
No meio de toda aquela algazarra, chegou o Senhor dono da barraca, ele estava vermelho de tanto ódio, perguntava a si mesmo como aquela menina estúpida e idiota poderia ter feito o que fez. Todas aquelas frutas eram dele, somente dele. Tomado por um ódio tão grande, que nascia na sua mente, processando tudo aquilo, percorreu sua espinha, chegou aos músculos do seu braço direito e em um único impulso transformou-se em força.
Força essa, tão inesperada, que atingiu Rebbeca de surpresa, fazendo a cair e bater com todo o ímpeto raivoso sua cabeça no chão. Mais doloroso do que sentir a mão de seu agressor em seu rosto, era sentir, enquanto caía, a tapa da vida dizendo-a o quanto é torturante ser corajoso. Sim, enquanto caía, pois ao chocar a sua cabeça com o chão esvaziou se do seu corpo a sua alma.
Aos que acreditam em céu, eu poderia dizer que Rebbeca está no céu, e se ele for do jeito que ela imaginava, nesse momento ela está apreciando uma deliciosa fatia de pizza.
Aos que acreditam em reencarnação, eu poderia dizer que na próxima vida Rebbeca será umas dessas grandes personagens que amanhã mudaram o mundo.
Contudo, o que realmente deve ser dito é que, se Rebbeca pudesse estar sentada em seu banco observando tudo aquilo, ela discordaria profundamente da multidão curiosa que se fez ao seu redor e sem razão alguma a condecorava como insensata. Um pouco adiante, ela viria seu pai agarrado com aquele corpo vazio, manchado pelo sangue que escorria do nariz e ainda quente do calor humano. Ele gritava por socorro e amaldiçoava a vida por tira-lhe a sua garotinha. Também seria possível ver seu agressor deslumbrado com a catastrófica consequência de seus atos. No entanto, em um cantinho à direita, entre seu pai e seu agressor, é possível ver um garotinho maltrapilho comendo uma maçã fresquinha e sorrindo ao sentir o doce gosto em seu paladar.


“Não tenha ideias pelas quais valeria a pena viver. Tenha ideias pelas quais a morte é só mais uma decisão.”

P.S.: De mim é difícil falar, mas da nossa amizade surgem as  mais belas palavras. Dedicado ao meu grande amigo, Rodolfo Xavier. Obrigado  pelo seu carinho e excepcional apoio.