Caio
acordou às sete da manhã de um sábado meio nublado, meio ensolarado, a sua cama
Box de casal parecia ainda menor a cada vez que se espreguiçava, as cobertas
todas jogadas no chão se misturavam com outras roupas que alguns dias atrás tinham
sido deixadas ali.
Um
vazio o preenchia, uma angustia por não saber se queria levantar e enfrentar o
dia ou, simplesmente, continuar deitado ali vestido das roupas suadas e
surradas da noite anterior. O tic-tac do relógio soava como o marcador de uma
bomba prestes a explodir, a pequena quantidade de luz que entrava por uma
fresta da janela incidia sobre os seus olhos e os faziam arder, o seu estômago
começava a perguntar pelo café da manhã e uma dúvida do que fazer.
Bem,
temos a inocência de que quando estamos angustiados a melhor solução é ficarmos
quietos em um canto e tudo vai passar, meia verdade, não suportamos estacionar
e apreciar silenciosamente a nossa dor. Caio também não aguentou, levantou e
dirigiu se no meio de roupas, sacos de salgados vazios e folhas rabiscadas
abandonadas pelo chão até ao banheiro.
Enquanto
escovava os dentes olhou-se no espelho do armário, a sua barba precisava ser
feita, o cabelo precisava ser cortado, a roupa precisava ser lavada, a casa
precisava ser imediatamente limpa. Resolveu tomar um banho, na verdade a
tentativa era de que a água fria que escorria no chuveiro levasse consigo toda
a bagunça daquele ambiente.
Depois
de meia hora com a água caindo sobre a sua cabeça decidiu que era o momento de
ouvir o seu estomago, saiu do banheiro, usou um desodorante spray qualquer, que
por sinal estava acabando, vestiu uma camisa vermelha e uma calça jeans. Caio
caminhou até a cozinha, no trajeto tinha mais roupas e objetos largados pelo
chão, perguntava se como as coisas poderiam estar tão bagunçadas, em que
momento ele havia perdido o controle de tudo.
A
pia estava lotada de louça suja, por toda parte havia embalagens vazias de
comida congelada, na geladeira mais restos de comidas que deveriam ser
descartados, pegou o resto do leite integral que tinha comprado no dia anterior
e serviu-se com um cereal, não comeu nem a metade do que havia na tigela e
deixou tudo de lado. Sentado na cadeira da cozinha, Caio olhava o vazio, a
solidão e a bagunça do seu apartamento, estático ele assistia tudo aquilo com
toda a surpresa de uma criança ao ver pela primeira vez um cão.
O
apartamento parecia o de um desconhecido, o rosto no espelho parecia o de um
desconhecido, a vida parecia a de um desconhecido. Caio olhou na direção da
sala e viu ainda mais bagunças, os livros da estante estavam fora de ordem, as
almofadas do sofá estavam perdidas, a televisão estava ligada e sem áudio e o
vazio que sufocava todo o apartamento.
Ele
levantou-se e com a mesma obstinação que a de um soldado que vai a guerra, disposto
a colocar aquele lugar em ordem. Começou abrindo as janelas e deixando o ar
preencher o lugar do vazio, desligou a televisão e ligou o seu micro system deixando
tocar à música de Maroon5. Pronto. A tática de guerra tinha sido montada, agora
era só executá-la. Mas, aquilo parecia um sonho de alguns segundos, Caio não
tinha motivação para continuar, o vazio, a angústia e a solidão continuavam
presentes.
Caio
pegou as chaves do seu Corolla preto, foi em direção do elevador e desceu cinco
andares até chegar ao estacionamento do prédio. Assim que saiu do elevador
caminhou até o carro, e como que em sincronia com a casa o Corolla estava cinza
de poeira, no vidro traseiro tinha o nome de algum desconhecido rabiscado. Ele
entrou, sentou, ligou o carro e começou a dirigir até a praia mais perto. No
caminho, os outros automóveis, os prédios altos e as pessoas o sufocavam ainda
mais.
Uma
cidade de concreto que o sufocava, exigia dele o que ele não tinha. Nas ruas,
pessoas correndo apressadas para os seus destinos, ainda que naquele dia elas
não trabalhassem, corriam apressadas pela força do hábito. Caio estava cansado, sufocado, queria sair de
si mesmo, queria ver a vida de outra forma.
Ao
chegar à praia, ele se dirigiu até o mar, sentiu a água espumante molhar os
seus pés e, mentalmente, Caio começou a apagar prédio por prédio da sua cabeça,
depois de ter tirado todos os apartamentos luxuosos da sua mente, ele tirou a
grande avenida que passava ali, depois as barracas, por fim ele apagou cada
pessoa que estava ali. Foi um exercício longo, que exigiu esforçou, mas quando
ele olhou a vista as suas costas era somente um deserto sem fim de areia, a sua
frente um infinito de águas que se uniam ao céu.
Sentou-se na beira do mar, sentindo o cheiro
do sal e a brisa tocar o seu rosto Caio encontrou com o Caio. Ali ele era só
ele, ali ele não precisava ser o garoto que tinha trancado a faculdade, ele não
era o namorado de alguém que exigia atenção, ali ele não precisava planejar o
futuro glorioso que as pessoas cobravam dele e que ele não fazia a menor ideia
de como acha-lo. Aqui, na beira da praia, o Caio pode ser só Caio, não existe o
amanhã, ele não precisa ser o amigo sábio que sempre vai saber o que dizer, ele
não precisa resolver as complexas e intermináveis relações familiares, ele não
precisa salvar o mundo do capitalismo e do consumismo, ele não necessita ser um
atento cidadão que critica duramente o sistema, ele não precisa se preocupar
com a sua alma gêmea ou com o seu amor para a vida inteira. Aqui, o Caio é só
Caio e não mais Caio S. de Albuquerque.
De
uma forma pouco natural ele se encontrou, reorganizou as ideias, respirou,
percebeu que o sol começava a se pôr no horizonte e decidiu voltar para casa. Nesse
instante percebeu que o carro continuava precisando ser lavado, a barba
continuava necessitando ser feita, o cabelo cortado, a roupa lavada, a bagunça
arrumada... tudo continuaria, pelo menos por enquanto, fora do eixo. O que não
tem importância, afinal, agora, ele estava bem consigo mesmo.
Ao
invés de ir direto para casa, Caio passou em um barzinho perto dali, pediu uma
bebida quente que o fizesse se sentir vivo, solicitou ao garçom que colocasse
Maroon5 para tocar e começou a dançar sozinho em seu próprio ritmo.
Querem
saber com detalhes a descrição dessa cena? Eu peço que imaginem uma parede
branca, pronto? Agora comecem a jogar pequenos jatos de tintas coloridas nesse
fundo branco, pronto? É mais ou menos assim que Caio está dançando ao seu ritmo
em um barzinho por ai.
P.S.: Às vezes, é preciso parar, reconsiderar as prioridades, respirar e então pegar impulso novamente.
Não faz mal parar um pouco, a vida é
realmente curta, mas quem anda a cento e vinte por hora não tempo suficiente
para observar a paisagem da viagem.