quarta-feira, 1 de maio de 2013

Coração é que nem geladeira,


Hoje, enquanto aguardava alguém na calçada de uma loja de eletrodoméstico fui induzida a entrar, o motivo da minha indução foi um antigo desejo de consumo chamado geladeira. A geladeira que piscou para mim, me seduziu e me conquistou não era qualquer uma, era uma duplex de inox, enorme, linda, e muito inteligente.
Assim que abri as portas da geladeira, foi como se estivesse num oásis de sonhos, fui capaz de enxergar todas as suas prateleiras lotadas de comidas gostosas e tudo de delicioso que poderia caber ali. Fechei as portas e, pendurado do lado de fora um papel informava o valor do meu sonho: dois mil e alguma coisa.
Logo em seguida sai da loja e fui para casa.
Somente ao chegar em casa foi que percebi a grande relação que havia: Coração é que nem geladeira. Sim. Coração é como uma enorme geladeira.
A primeira analogia que constatei foi: é preciso muito cuidado para algo não estragar na geladeira. É necessário atenção no momento de armazenar os legumes, as frutas e as carnes, há locais em que congela com mais facilidade e, principalmente, de tempos em tempos é necessário esvaziar a geladeira, jogar fora o que a gente não usa faz tempo. Caso contrário, um item que estragou e que não foi descartado é capaz de apodrecer uma geladeira por completo.
Qual a diferença que há no coração? Nenhuma. Um sentimento ruim que guardado e armazenado por muito tempo é capaz de envenenar uma alma inteira. Se não soubermos onde colocar cada sentimento trôpego e ávido que possuímos a coisa também estraga, já imaginou sentir ódio quando deveria sentir saudade, ou quem sabe se apaixonar quando só há amizade?
Depois, por mais difícil que seja, é necessário esvaziar o coração. Tirar o que não usamos mais, o tomate que amadureceu demais, a lembrança triste da infância, o doce de caju que só foi consumido pela metade e envelheceu, a mágoa do amigo que chateou, o iogurte que ficou esquecido... Essas coisas velhas que não usufruirmos só ocupam espaço, deixam o coração pesado, arriscam apodrecer todo o resto e ainda escondem as outras coisas, ou melhor, os outros sentimentos maravilhosos que possuímos. Faz ideia de quantos bombons de chocolate tem esquecido atrás de uma caixa de leite vazia? Quantos sorrisos ficaram escondidos atrás de um orgulho infantil?
Em seguida cheguei à segunda simetria: tem dias que abrimos a geladeira e ela está lotada de doces, salgados, comida congelada, iogurte, leite, achocolatado, queijo, requeijão, refrigerante, suco, frutas, legumes e mais um monte de outra coisa... é um colorido sem fim. A verdade é que esses dias são logo após termos ido às compras. No entanto, haverá dias que iremos abrir a geladeira e só vai ter o básico, a cor predominante é um branco sem graça, somos preenchidos por um desejo de comer algo que não há na geladeira e uma angústia estomacal nos invade.
Com o coração é exatamente igual, há dias que tudo está colorido, somos preenchidos por uma vontade de nos declarar a alguém, que os sorrisos são soltos sem um motivo aparente, que perdoamos com mais facilidade, que nos lembramos das pessoas e ligamos ou até mandamos um sinal de fumaça dizendo “saudade”, esses são nossos dias coloridos. Mas, existem dias que tudo está branco e sem graça, não há nada que possamos fazer para tirar essa agonia, essa ausência de motivos para ser feliz.
Esse é o motivo principal para não deixar de ir às compras e renovar a geladeira. É indiscutível o fato de que não se pode comprar somente coisas supérfluas, afinal, ninguém quer morrer com diabetes de rancor, ou colesterol alto por consumir ilusões além da conta.
A terceira e não menos importante semelhança que há entre o coração e a geladeira: a maioria das famílias não abre mais a geladeira e se serve de um copo de água bem gelado, elas usufruem de um gelágua ou de um filtro. Não que a água gelada desses outros equipamentos seja ruim, não, mas nada se compara ao abrir da geladeira e o virar da garrafa no copo despejando uma água bem gelada. Eu diria que a sede não se mata ao beber a água, mas no abrir da porta da geladeira.
Com o coração é da mesma forma, haverá sempre outras fontes onde se poderá beber o amor, mas nunca deixe de buscar o autêntico e verdadeiro amor, ele fica meio escondido no meio de tanta tralha que jogamos dentro do coração. Como nas geladeiras modernas que no meio de tanta coisa industrial, ás vezes falta uma garrafa de água e, em algumas, se procurarmos muito, é possível achar alguma garrafinha perdida, o amor verdadeiro deve ser procurado e cultivado.
Ele não é o mais cômodo, concordo. Contudo, tenha sempre uma garrafa de água na geladeira, mesmo que não vá bebê-la logo, nem que seja só por precaução, afinal assim como o amor a água não tem prazo de validade.
Ah! Já ia esquecendo... A geladeira pela qual me apaixonei estava vazia, foi preciso imaginá-la cheia para que o sonho fosse realizado, alguns corações também estão vazios, será necessário coragem e esforço para preenchê-los. No entanto, lembre-se que algumas continuaram sempre vazias, ainda que lindas por fora, serão eternamente vazias, seja corajoso para seguir em frente e comprar uma nova geladeira e seja ainda mais corajoso para preenchê-la.
Por fim, saiba que a grande analogia entre corações e geladeiras está na sua função, ambos armazenam, então não importa se sua geladeira é linda, grande e tem muitas prateleiras se ela não conseguir armazenar e conservar o que é colocado lá dentro. 


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