quarta-feira, 1 de maio de 2013

Caio, e nada mais.


Caio acordou às sete da manhã de um sábado meio nublado, meio ensolarado, a sua cama Box de casal parecia ainda menor a cada vez que se espreguiçava, as cobertas todas jogadas no chão se misturavam com outras roupas que alguns dias atrás tinham sido deixadas ali.
Um vazio o preenchia, uma angustia por não saber se queria levantar e enfrentar o dia ou, simplesmente, continuar deitado ali vestido das roupas suadas e surradas da noite anterior. O tic-tac do relógio soava como o marcador de uma bomba prestes a explodir, a pequena quantidade de luz que entrava por uma fresta da janela incidia sobre os seus olhos e os faziam arder, o seu estômago começava a perguntar pelo café da manhã e uma dúvida do que fazer.
Bem, temos a inocência de que quando estamos angustiados a melhor solução é ficarmos quietos em um canto e tudo vai passar, meia verdade, não suportamos estacionar e apreciar silenciosamente a nossa dor. Caio também não aguentou, levantou e dirigiu se no meio de roupas, sacos de salgados vazios e folhas rabiscadas abandonadas pelo chão até ao banheiro.
Enquanto escovava os dentes olhou-se no espelho do armário, a sua barba precisava ser feita, o cabelo precisava ser cortado, a roupa precisava ser lavada, a casa precisava ser imediatamente limpa. Resolveu tomar um banho, na verdade a tentativa era de que a água fria que escorria no chuveiro levasse consigo toda a bagunça daquele ambiente.
Depois de meia hora com a água caindo sobre a sua cabeça decidiu que era o momento de ouvir o seu estomago, saiu do banheiro, usou um desodorante spray qualquer, que por sinal estava acabando, vestiu uma camisa vermelha e uma calça jeans. Caio caminhou até a cozinha, no trajeto tinha mais roupas e objetos largados pelo chão, perguntava se como as coisas poderiam estar tão bagunçadas, em que momento ele havia perdido o controle de tudo.
A pia estava lotada de louça suja, por toda parte havia embalagens vazias de comida congelada, na geladeira mais restos de comidas que deveriam ser descartados, pegou o resto do leite integral que tinha comprado no dia anterior e serviu-se com um cereal, não comeu nem a metade do que havia na tigela e deixou tudo de lado. Sentado na cadeira da cozinha, Caio olhava o vazio, a solidão e a bagunça do seu apartamento, estático ele assistia tudo aquilo com toda a surpresa de uma criança ao ver pela primeira vez um cão.
O apartamento parecia o de um desconhecido, o rosto no espelho parecia o de um desconhecido, a vida parecia a de um desconhecido. Caio olhou na direção da sala e viu ainda mais bagunças, os livros da estante estavam fora de ordem, as almofadas do sofá estavam perdidas, a televisão estava ligada e sem áudio e o vazio que sufocava todo o apartamento.
Ele levantou-se e com a mesma obstinação que a de um soldado que vai a guerra, disposto a colocar aquele lugar em ordem. Começou abrindo as janelas e deixando o ar preencher o lugar do vazio, desligou a televisão e ligou o seu micro system deixando tocar à música de Maroon5. Pronto. A tática de guerra tinha sido montada, agora era só executá-la. Mas, aquilo parecia um sonho de alguns segundos, Caio não tinha motivação para continuar, o vazio, a angústia e a solidão continuavam presentes.
Caio pegou as chaves do seu Corolla preto, foi em direção do elevador e desceu cinco andares até chegar ao estacionamento do prédio. Assim que saiu do elevador caminhou até o carro, e como que em sincronia com a casa o Corolla estava cinza de poeira, no vidro traseiro tinha o nome de algum desconhecido rabiscado. Ele entrou, sentou, ligou o carro e começou a dirigir até a praia mais perto. No caminho, os outros automóveis, os prédios altos e as pessoas o sufocavam ainda mais.
Uma cidade de concreto que o sufocava, exigia dele o que ele não tinha. Nas ruas, pessoas correndo apressadas para os seus destinos, ainda que naquele dia elas não trabalhassem, corriam apressadas pela força do hábito.  Caio estava cansado, sufocado, queria sair de si mesmo, queria ver a vida de outra forma.
Ao chegar à praia, ele se dirigiu até o mar, sentiu a água espumante molhar os seus pés e, mentalmente, Caio começou a apagar prédio por prédio da sua cabeça, depois de ter tirado todos os apartamentos luxuosos da sua mente, ele tirou a grande avenida que passava ali, depois as barracas, por fim ele apagou cada pessoa que estava ali. Foi um exercício longo, que exigiu esforçou, mas quando ele olhou a vista as suas costas era somente um deserto sem fim de areia, a sua frente um infinito de águas que se uniam ao céu.
 Sentou-se na beira do mar, sentindo o cheiro do sal e a brisa tocar o seu rosto Caio encontrou com o Caio. Ali ele era só ele, ali ele não precisava ser o garoto que tinha trancado a faculdade, ele não era o namorado de alguém que exigia atenção, ali ele não precisava planejar o futuro glorioso que as pessoas cobravam dele e que ele não fazia a menor ideia de como acha-lo. Aqui, na beira da praia, o Caio pode ser só Caio, não existe o amanhã, ele não precisa ser o amigo sábio que sempre vai saber o que dizer, ele não precisa resolver as complexas e intermináveis relações familiares, ele não precisa salvar o mundo do capitalismo e do consumismo, ele não necessita ser um atento cidadão que critica duramente o sistema, ele não precisa se preocupar com a sua alma gêmea ou com o seu amor para a vida inteira. Aqui, o Caio é só Caio e não mais Caio S. de Albuquerque.
De uma forma pouco natural ele se encontrou, reorganizou as ideias, respirou, percebeu que o sol começava a se pôr no horizonte e decidiu voltar para casa. Nesse instante percebeu que o carro continuava precisando ser lavado, a barba continuava necessitando ser feita, o cabelo cortado, a roupa lavada, a bagunça arrumada... tudo continuaria, pelo menos por enquanto, fora do eixo. O que não tem importância, afinal, agora, ele estava bem consigo mesmo. 
Ao invés de ir direto para casa, Caio passou em um barzinho perto dali, pediu uma bebida quente que o fizesse se sentir vivo, solicitou ao garçom que colocasse Maroon5 para tocar e começou a dançar sozinho em seu próprio ritmo.
Querem saber com detalhes a descrição dessa cena? Eu peço que imaginem uma parede branca, pronto? Agora comecem a jogar pequenos jatos de tintas coloridas nesse fundo branco, pronto? É mais ou menos assim que Caio está dançando ao seu ritmo em um barzinho por ai.


                                                                P.S.: Às vezes, é preciso parar, reconsiderar as prioridades, respirar e então pegar impulso novamente. 
Não faz mal parar um pouco, a vida é realmente curta, mas quem anda a cento e vinte por hora não tempo suficiente para observar a paisagem da viagem.

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