segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Relator anônimo..


O sol está quente, esse clima de verão parece gritar às pessoas para que aproveitem o dia, e eu estou aqui, parado na areia branca e limpa que parece refletir os raios do sol. De vez em quando a brisa do mar sopra no meu rosto e refresca a minha alma.  É difícil dizer o quanto amo o mar, então, como a muito não fazia, resolvi passear por aqui na tentativa de esquecer a minha profissão, ou melhor, de parar de observar por alguns instantes.
E antes que você, Leitor, pergunte-se quem eu sou, digo-lhe que:
- Eu sou o Narrador. Sim, o Narrador.
Sabe Leitor, é especial a forma que nos conhecemos. Eu estou sempre narrando, narrando, e você aí lendo e lendo. Nunca trocamos palavras, mas é extraordinário conversar com você.
Só um momento Leitor... Preciso deixar que um casal de idosos passem, eu estou no meio do seu caminho. É fascinante olhar as pessoas passarem, por exemplo, esse casal de idosos, eles estão caminhando aqui à beira da praia, parecem felizes, parecem se amar intensamente, parecem viver o hoje. O confuso é o fato de, a maioria de nós deixarmos para viver o amanhã.  Amanhã eu pedirei perdão, amanhã eu direi a alguém que estou amando, amanhã farei aquilo que sempre quis, amanhã serei feliz.
Pronto. Eles já foram. E como eu ia dizendo, eu estou sempre contando histórias, mas e o Leitor? Ele se pergunta se elas são realmente verdadeiras? Alguma vez você se perguntou se eu realmente conhecia alguma personagem? Não é esquisito? O Narrador conhece todas as pessoas profundamente, a tal ponto, que ele é capaz de discorrer sobre cada uma das personagens?
São perguntas, muitas perguntas. Preciso caminhar um pouco. Não sei em qual direção eu vou, acho que eu deveria caminhar em direção as dunas, será? Sim. Lá o ambiente é sereno.
No caminho eu vejo outras pessoas passarem, não olho, não quero observar, não agora enquanto conversamos, seria indelicado com você, Leitor.  A brisa do mar acabou de soprar, como é delicioso sentir o cheiro da água salgada, a linha do horizonte, a infinidade do mar... E as perguntas. Interessante: não saber o que o Leitor pensa é tempestuosamente relaxante, mas saber o que o Leitor acha me consola.
Agora estou ainda mais perto das dunas, espera, há alguém próximo a mim, na verdade são dois, duas pessoas. Aqui, no lugar em que parei, é possível ver uma mulher, ela é alta, magra, pele clara, possui os cabelos negros e ondulados, olhos castanhos marcantes. Bárbara, esse é o seu nome. Bárbara está correndo e brincando na areia da praia como se fosse uma criança, sorrisos ao vento, cabelos soltos e esvoaçantes, o seu vestido bege de renda está marcado por algumas gotas d’água que lhe foram jogadas. Porém, nem mesmo o vestido manchado, nem os seus pés descalços deixam-na desarrumada, ao contrário, eles estão para Bárbara assim como a coroa está para a sua rainha.
Ao seu lado é possível ver o rapaz, alto, pardo, cabelos castanhos, o queixo quadrado e olhos azuis escuros. Ele também está correndo e brincando, parece até a cena de um filme qualquer que assisti. Miguel está apaixonado por Bárbara, os seus olhos confessam esse amor, o modo como sorri, ao vê-la brincar na água, a felicidade que o toma quando ele a envolveu em seus braços, as suas pupilas cintilam ao encontrar com os olhos de Bárbara. O infinito está ao lado dos dois, a eternidade se reserva para eles.
E veja só, eu já estou dando uma de Narrador novamente. Por quê? Leitor, porque não impediu? Por que permitiu que eu continuasse a contar histórias e a narrar fatos e momentos?
Os dois permanecem lá, brincando, sorrindo, caindo, levantando, e se molhando com a infindável ternura do amor. O sol começa a se por no horizonte, acho que é a hora de eu ir andando, vim na expectativa de descansar e continuo narrando, narrando.  Tenho realmente que ir, já gastei muito do meu tempo e as voltas do ponteiro do relógio tem me custado muito. Aguarde um momento Leitor...
...
Só mais um momento...
Miguel tomou uma decisão, uma grandiosa decisão.
Bárbara está de pé, de onde estou sou capaz de perceber seu rosto de perfil sendo iluminado, iluminado pelos raios do sol que começam a sumir. Ela está radiante, surpresa, admirada, Miguel havia tomado uma decisão, ele havia tomado uma decisão, o grande amor da sua vida havia tomado uma decisão.
Não era necessário pensar mais nem um minuto, a resposta era sim.
Bárbara olhou para Miguel ajoelhado na areia da praia, sorrindo, ela ainda não sabia de que forma aquele anel tinha aparecido em suas mãos, mas juntamente com aquele anel veio o precioso convite:
-Não te convido a dividir comigo todos os dias da sua vida, mas se você estiver interessada poderemos compartilhar a eternidade, aceita?
Não me contive, e dos meus olhos brotaram as lágrimas do encantamento, que sorte, hein, Leitor. Juntos, vivenciamos uma união para a eternidade. No entanto, seria grosseiro da minha parte se eu não lhe explicasse o motivo de minha intensa emoção.
Claro, o amor comove todos os corações, o amor aviva todo ser, encanta qualquer alma, porém as minhas lágrimas de emoção se deram pela coragem. Coragem em partilhar com o outro a eternidade, coragem em não se preocupar com a responsabilidade desse convite, coragem em assumir a necessidade de ser completado pelo outro, coragem de viver o hoje, coragem de ter coragem de encarar o amanhã. Coragem, Leitor.
Não é fascinante, Leitor, como as pessoas facilitam e fazem com que o momento aconteça, fazem com que dê certo. Basta elas estarem dispostas a fazê-lo para que a magia aconteça, e no reluzir das luzes tudo se torna real.
Bárbara não saberia descrever o que sentia, aquilo era mágico demais para ser real, ou será real demais para ser mágico? De qualquer forma ela respondeu:
- Sim. E que venha a eternidade.
Mais uma vez não me contive. A eternidade, Leitor, a eternidade.
Nesse momento as minhas lágrimas caíram com tanta intensidade que um garotinho que já havia se aproximado faz tempo, desculpe não ter falado sobre ele, Leitor, estive envolvido demais com o desenrolar dos fatos que acabei por esquecer que o garotinho havia se aproximado, pois bem, o garotinho perguntou-me:
-Você é amigo dos dois?
Tão brandamente respondi:
-Não. Eu sou, apenas... o narrador. 

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